Desde a mais tenra idade, sabemos o que são regras. Quando pequenos, os adultos nos dizem “não brinque com o fogo”. Se mesmo assim brincamos, em geral, somos punidos. Uma vez punidos (adequadamente, espera-se), aprendemos que aquilo não deve ser feito e que ultrapassamos o limite do que é aceitável.
O direito penal obedece à mesma lógica. A cada fato não aceitável corresponde uma sanção.
A sociedade tem sido impulsionada por essa premissa desde os tempos mais remotos. O que muda é a forma assumida pela sanção e a sua intensidade.
Sabemos que a crueldade predominou durante boa parte da história humana, no que se refere às penas. Mas o que nos interessa é uma situação específica: o Brasil no momento atual.
O corpo jurídico penal brasileiro, atualmente, é inspirado no princípio da proporcionalidade entre fato e sanção e no superprincípio da dignidade da pessoa humana.
Em decorrência dessa orientação humanista, surgiram as medidas despenalizadoras, ou seja, o abrandamento das penas para crimes de menor potencial ofensivo. A privação da liberdade de um infrator das regras sociais passou a ser a última medida a ser adotada na repressão dos crimes que provocam menor juízo de reprovabilidade.
Por essa razão, podemos dizer que sempre existem grandes chances de que um crime cometido acabe em cestas básicas pagas a uma instituição social, sem que isso signifique impunidade. Vejamos quais caminhos podem levar a essa situação.
Primeiro, se alguém comete um crime cuja pena máxima não ultrapassa a dois anos, existe um benefício que se chama transação penal. Trata-se de um acordo entre autor do fato e Ministério Público, por meio do qual o Estado deixa de instaurar o processo criminal se o possível réu cumprir certas condições, como por exemplo o pagamento de cestas básicas ou prestação de serviços comunitários.
Mas isso não quer dizer que podemos sair por aí desacatando autoridades (este é um dos crimes cuja pena máxima é menor de dois anos) a preço de algumas cestas básicas. O benefício só pode ser concedido uma vez a cada 5 anos. Também é incabível se a pessoa tiver sido condenada por outro crime, ou se seus antecedentes, conduta social, personalidade, bem como motivos e circunstâncias do fato não indicarem “ser necessária e suficiente a adoção da medida” (art. 76 da Lei nº 9099/95).
Ou seja, não é uma questão de mera aritmética. O juiz, entre outras coisas, pode achar que o autor do fato tem uma personalidade “distorcida”, mesmo sem ter prova alguma disso. Acontece muito.
Mas vamos considerar que este nosso cidadão pretenda prosperar na carreira criminosa e acabe fraudando o INSS com o seguinte expediente: falsifica a carteira de trabalho para fazer constar que tá empregado de uma determinada empresa, simula que é despedido sem justa causa e recebe seguro-desemprego. Um típico caso de estelionato – artigo 171 do Código Penal, com a causa de aumento do §3º, por ter sido o fato cometido contra a administração pública (o INSS que paga o benefício do seguro-desemprego).
A pena é de 1 a 5 anos de reclusão. Não cabe transação, pois como dissemos, esta só é possível quando a pena máxima é de 2 anos. Mas não está tudo perdido, isto é, se considerarmos que apenas a justiça dos homens é a que conta. Porque o estelionatário da previdência pode ser agraciado com outro benefício. Chama-se suspensão condicional do processo.
Para os delitos cuja pena mínima seja de 1 ano, não importando a máxima, o processo pode ser suspenso e a punibilidade extinta se o autor do fato cumprir certas condições como, por exemplo, pagar cestas básicas (art. 89 da Lei nº 9.099/95).
Porém, atente-se bem e sempre: se as condições não forem cumpridas, e elas podem incluir limitação de final de semana, impossibilidade de se ausentar da comarca (viajar) e prestação de serviços comunitários, além das cestas básicas, o processo é retomado e o infrator finalmente pode ter o desgosto de ir para o rol dos culpados.
Obs: Para conhecer mais o assunto e seus próprios direitos, vale a pena dar uma olhada na Lei nº 9.099/95 (basta digitar no google), que trata dos Juizados Especiais, onde são processados as pequenas causas e os crimes cuja pena máxima seja de 2 anos. Confira também o Código Penal.
2 Diga uma coisinha!:
Ah,Marcia! Esta é um assunto tão delicado, não é?
Eu, particularmente, estou descrente em nossas instituições jurídicas, visto que a impunidade corre solta.
Como diriam: nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Ficou muito fácil pagar cestas básicas, não?! E o pior é que o culpado ainda passa por benfeitor, na cabecinha de titica do nosso povinho.
Realmente não concordo com a lei do olho por olho, mas estamos muito brandos. A ponto de gente do bem, que por circunstâncias adversas foram morar em favelas, terem que submeter a terroristas e narcotraficantes, pois a polícia não pode ou não tem autoridade para entrar em determinados lugares de sua comunidade.
Talvez daqui há mais uns 500 anos possamos ver uma humanidade mais equilibrada...ou o que restar dela.
Bjs,
Cy
Do jeito que andam as coisas não acho que a humanidade conseguira passar mais 100 anos.
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